Quebrando o silêncio
Um filme necessário para se pensar sobre a pedofilia
Quem tem a ousadia de erguer a voz para falar contra um homem “escolhido” por Deus? Por causa deste temor, muitos casos de pedofilia na igreja católica foram silenciados sem sofrer qualquer condenação da instituição. Com base na história real de Alexandre Guérin, François Debord e Emmanuel Thomassim, todos vítimas de abusos cometidos pelo padre Bernard Preynat, na França, o filme dirigido por François Ozon traz um assunto recorrente nos noticiários.
Alexandre (Melvil Poupaud), que foi uma das vítimas do padre, vive com a esposa e com os cinco filhos. Curiosamente, ele conseguiu manter suas crenças firmes mesmo depois do que aconteceu na sua infância. De repente, seu passado vem à tona quando ele descobre que seu abusador (Bernard Verley) continua trabalhando com crianças. A partir daí, ele resolve quebrar o silêncio em busca de justiça.
Sem delongas, Graças a Deus nos apresenta os acontecimentos, de forma objetiva, logo nos primeiros minutos de filme. Não há a preocupação em promover um clima de suspense, mas sim de puxar o espectador para dentro da história. Um dos recursos utilizados foi o da narração em primeira pessoa, feita pelo próprio Alexandre, que trouxe uma contextualização bastante fluida.
François (Denis Ménochet) e Emmanuel (Swann Arlaud) se uniram a Alexandre e os três denunciaram os abusos sofridos entre 1986 e 1991, quando eram crianças. A partir da história individual de cada um, foi possível observar as consequências geradas na vida destes homens que foram molestados na infância: doenças crônicas, queda na autoestima e dificuldade nos relacionamentos.
Alguns flashbacks foram trazidos como forma de ilustrar o que aconteceu no passado. Apesar de não terem sido explícitas as cenas de abuso, o próprio espectador é capaz de imaginar a ação. Nesse sentido, o sentimento que reina naquele momento é o de muita angústia. O predomínio de cores escuras é um recurso utilizado para refletir as emoções dos personagens, sobretudo, um misto entre tristeza, indignação e sede de justiça.
O drama real envolve várias questões muito importantes de se pensar a respeito. Atrelado a machismo, homens que já sofreram abusos preferem permanecer em silêncio, fingir que nada aconteceu por temer um suposto rótulo de vítima de pedofilia. Infelizmente, para alguns, assumir isso fere a masculinidade. Uma relação de troca de confiança familiar é de suma importância neste processo. Ações como silenciar a criança, desacreditá-la, fingir que nada aconteceu ou não ter uma postura diante do relato do abuso, gera consequências devastadoras que se refletirão na vida adulta.
Graças a Deus não é um filme com o objetivo de depreciar a fé em Deus ou abalar as estruturas do catolicismo, mas sim de trazer críticas a uma instituição que fez vista grossa diante dos crimes de pedofilia cometidos por seus padres. O longa-metragem, além de trazer importantes reflexões, é um encorajador para a quebra do silêncio, o que faz dele uma obra muito necessária.
Direção: François Ozon
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