quarta-feira, 19 de junho de 2019

Crítica: Deslembro


Memórias amargas, porém necessárias

Filme relembra as atrocidades do período da Ditadura

Um perseguido político, aprisionado e desaparecido dos porões do DOPS sem deixar rastros. Logo após, sua família exilada em Paris durante o período da Ditadura Militar no Brasil. Com a promulgação da Lei da Anistia Política, Joana (Jeanne Boudier),contra sua vontade, volta ao lugar onde, segundo ela, “torturam e matam pessoas”, seu país de origem.  
O drama, dirigido por Flavia Castro, traz um resgate histórico dos terríveis Anos de Chumbo a partir da perspectiva da família exilada, sobretudo, através das memórias confusas de Joana, que não se lembra do pai (Jesuíta Barbosa) desaparecido. A garota tinha muitos questionamentos, mas sua mãe (Sara Antunes) evitava entrar em assuntos relacionados a um passado tão fúnebre. Mas algumas lembranças embaraçadas vêm à tona após conversar com sua avó (Eliane Giardini).

Deslembro quebra aquele tradicional início marcado com plano geral que nos traz uma ideia de contextualização. Em vez disso, ele inicia com um plano detalhe intercalado ao primeiríssimo plano. Dessa forma, em vez de nos situar a respeito do lugar, a preocupação maior é nos convidar a adentrar nas emoções da personagem de imediato. Com a predominância do enquadramento em primeiro plano, a empatia do espectador é despertada. Além disso, em alguns momentos, é possível associar as filmagens com as do Primeiro Cinema: câmera parada com esgotamento da ação num plano único. Para trazer à memória um período tão sombrio, nada melhor que apostar em cores escuras. Em vez de trilhas sonoras, que nos permite fugir da realidade, ouve-se muito o som ambiente, que nos transporta para dentro de cena como se tudo fosse real.
O elenco  contou com a participação da maravilhosa Eliane Giardini, que dispensa comentários. Mas, Jeanne Boudier merece destaque. Apesar da pouca idade e de Deslembro marcar a sua estreia como atriz, a protagonista interpreta a personagem com a maestria de uma veterana. A facilidade em falar fluentemente dois idiomas no filme foi um grande ponto, além da excelente atuação. Com o domínio impecável da língua portuguesa, facilmente pode ser confundida com uma brasileira. Não se pode esquecer do espanhol, embora tenha sido usado num trecho específico do filme, ele foi bem falado. Talentosíssima e sem defeitos, a jovem francesa tem um futuro promissor.
Flavia Castro traz à memória as atrocidades da ditadura em Deslembro da mesma maneira que trouxe no documentário Diário de uma Busca. Ambos inspirados em sua história na condição de filha de militante. Assim como a cineasta, a atriz Sara Antunes também é filha de exilado político. Não é à toa que a trama possui uma carga forte de veracidade e perfeição.
Deslembro é uma obra de arte digna de admiração por trazer de forma fluida sua proposta e ao mesmo tempo emocionar. Ele cumpre com total excelência uma tarefa difícil: a reconstrução de memórias. É um filme necessário que merece ser visto e revisto. Precisamos ter uma clara compreensão do passado para não aceitar que ele ressurja e comprometa o nosso futuro.

Direção: Flavia Castro

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