Memórias amargas, porém necessárias
Filme relembra as atrocidades do período da Ditadura
Um
perseguido político, aprisionado e desaparecido dos porões do DOPS sem deixar
rastros. Logo após, sua família exilada em Paris durante o período da Ditadura
Militar no Brasil. Com a promulgação da Lei da Anistia Política, Joana (Jeanne Boudier),contra sua vontade, volta ao lugar onde, segundo
ela, “torturam e matam pessoas”, seu país de origem.
O
drama, dirigido por Flavia Castro, traz um resgate histórico
dos terríveis Anos de Chumbo a partir da perspectiva da família exilada,
sobretudo, através das memórias confusas de Joana, que não se
lembra do pai (Jesuíta Barbosa) desaparecido. A garota tinha muitos
questionamentos, mas sua mãe (Sara Antunes) evitava entrar em assuntos
relacionados a um passado tão fúnebre. Mas algumas lembranças embaraçadas vêm à
tona após conversar com sua avó (Eliane Giardini).
Deslembro quebra aquele tradicional início marcado com plano geral
que nos traz uma ideia de contextualização. Em vez disso, ele inicia com um
plano detalhe intercalado ao primeiríssimo plano. Dessa forma, em vez de nos
situar a respeito do lugar, a preocupação maior é nos convidar a adentrar nas
emoções da personagem de imediato. Com a predominância do enquadramento em
primeiro plano, a empatia do espectador é despertada. Além disso, em alguns
momentos, é possível associar as filmagens com as do Primeiro Cinema: câmera
parada com esgotamento da ação num plano único. Para trazer à memória um período
tão sombrio, nada melhor que apostar em cores escuras. Em vez de trilhas
sonoras, que nos permite fugir da realidade, ouve-se muito o som ambiente, que nos
transporta para dentro de cena como se tudo fosse real.
O
elenco contou com a participação da
maravilhosa Eliane Giardini, que dispensa comentários.
Mas, Jeanne Boudier merece destaque. Apesar da pouca idade e
de Deslembro marcar a sua estreia como atriz, a protagonista
interpreta a personagem com a maestria de uma veterana. A facilidade em falar
fluentemente dois idiomas no filme foi um grande ponto, além da excelente
atuação. Com o domínio impecável da língua portuguesa, facilmente pode ser
confundida com uma brasileira. Não se pode esquecer do espanhol, embora tenha
sido usado num trecho específico do filme, ele foi bem falado. Talentosíssima e
sem defeitos, a jovem francesa tem um futuro promissor.
Flavia Castro traz à memória as atrocidades da ditadura em Deslembro da
mesma maneira que trouxe no documentário Diário de uma Busca.
Ambos inspirados em sua história na condição de filha de militante. Assim como
a cineasta, a atriz Sara Antunes também é filha de exilado político. Não é à
toa que a trama possui uma carga forte de veracidade e perfeição.
Deslembro é uma obra de arte digna de admiração por
trazer de forma fluida sua proposta e ao mesmo tempo emocionar. Ele cumpre com
total excelência uma tarefa difícil: a reconstrução de memórias. É um filme
necessário que merece ser visto e revisto. Precisamos ter uma clara compreensão
do passado para não aceitar que ele ressurja e comprometa o nosso futuro.
Direção: Flavia Castro
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