quinta-feira, 28 de março de 2019

Crítica: Pastor Cláudio

Os bastidores de uma guerra suja

Divulgação: Primeiro Plano

Documentário mostra a articulação entre empresários e torturadores na ditadura militar


Pastor Cláudio, escrito e dirigido por Beth Formaggini, apresenta um discurso sobre um dos períodos mais tristes da história de nosso país – a ditadura militar (1964 – 1985). Mas, se em um primeiro momento o espectador acha que está diante de um documentário que versa somente sobre a engenharia operacional fria e aterrorizante utilizada pela ditadura para executar militantes comunistas e ocultar seus corpos, com o desenrolar do filme, Formaggini mostra que o objetivo central é muito maior: mostrar a ligação umbilical entre a ditadura militar brasileira e determinados setores do empresariado.
A história gira em torno das memórias de Cláudio Guerra, ex-delegado da polícia civil e um dos participantes da Operação Radar, que executou 19 militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Há um encontro frente a frente entre o ex-delegado e Eduardo Passos, psicólogo e ativista dos Direitos Humanos que atende as vítimas de violência do Estado. O documentário é desenvolvido no formato de entrevista e, num telão, são projetados vídeos e fotografias das vítimas que o próprio pastor Cláudio, como prefere ser chamado, executou ou ajudou a esconder os corpos.
Divulgação: Primeiro Plano
A Bíblia na mão do pastor simboliza a redenção pelos pecados que cometeu. Mas, ao apostar em enquadramentos fechados que transitam entre primeiro plano, primeiríssimo plano e plano detalhe, Formaggini consegue capturar a frieza chocante e estarrecedora, com a qual Guerra descreve os crimes que praticou e que, em virtude da controversa lei da anistia, não cumpriu pena por nenhum deles. A normalização e, até mesmo, a banalização da violência de Estado, são características dos anos de chumbo e também estão presentes em Pastor Cláudio.
O fato curioso é que o processo de incineração dos corpos não acontecia em nenhuma estrutura militar ou pertencente ao Estado. Segundo Guerra, eles eram levados para a cidade de Campos, no norte do estado do Rio de Janeiro, e queimados na usina de açúcar Cambahyba, de propriedade de Eli Ribeiro Gomes, membro da oligarquia local. Em troca, o governo oferecia condições especiais de créditos e armas para conter possíveis revoltas de trabalhadores ou invasões de movimentos de esquerda. Dessa forma, revela-se o forte vínculo entre a ditadura militar e os setores do empresariado local.
Documentários geralmente são conhecidos pela pretensão que possuem de descrever e, até mesmo, interpretar o mundo da experiência coletiva. É a produção de um discurso sobre o real, no qual as informações obtidas são tomadas como uma espécie de “lugar de revelação” e de “acesso à verdade”. Pastor Cláudio se destaca não apenas por ser um resgate da memória aterrorizante e sombria do período da ditadura militar brasileira. Ele é um trabalho autoral que, ao recuperar estas memórias, pretende fabricar valores, significados e conceitos sobre o passado, para que este não se repita no presente. 

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