Os bastidores de uma guerra suja
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Divulgação: Primeiro Plano |
Documentário mostra a articulação entre empresários e torturadores na ditadura militar
Pastor
Cláudio, escrito
e dirigido por Beth Formaggini, apresenta um discurso sobre um dos períodos
mais tristes da história de nosso país – a ditadura militar (1964 – 1985). Mas,
se em um primeiro momento o espectador acha que está diante de um documentário
que versa somente sobre a engenharia operacional fria e aterrorizante utilizada
pela ditadura para executar militantes comunistas e ocultar seus corpos, com o
desenrolar do filme, Formaggini mostra que o objetivo central é muito maior:
mostrar a ligação umbilical entre a ditadura militar brasileira e determinados
setores do empresariado.
A história
gira em torno das memórias de Cláudio Guerra, ex-delegado da polícia civil e um
dos participantes da Operação Radar, que executou 19 militantes do Partido
Comunista Brasileiro (PCB). Há um encontro frente a frente entre o ex-delegado
e Eduardo Passos, psicólogo e ativista dos Direitos Humanos que atende as
vítimas de violência do Estado. O documentário é desenvolvido no formato de
entrevista e, num telão, são projetados vídeos e fotografias das vítimas que o
próprio pastor Cláudio, como prefere ser chamado, executou ou ajudou a esconder
os corpos.
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Divulgação: Primeiro Plano |
A Bíblia na
mão do pastor simboliza a redenção pelos pecados que cometeu. Mas, ao apostar
em enquadramentos fechados que transitam entre primeiro plano, primeiríssimo
plano e plano detalhe, Formaggini consegue capturar a frieza chocante e
estarrecedora, com a qual Guerra descreve os crimes que praticou e que, em
virtude da controversa lei da anistia, não cumpriu pena por nenhum deles. A
normalização e, até mesmo, a banalização da violência de Estado, são
características dos anos de chumbo e também estão presentes em Pastor
Cláudio.
O fato curioso
é que o processo de incineração dos corpos não acontecia em nenhuma estrutura
militar ou pertencente ao Estado. Segundo Guerra, eles eram levados para a
cidade de Campos, no norte do estado do Rio de Janeiro, e queimados na usina de
açúcar Cambahyba, de propriedade de Eli Ribeiro Gomes, membro da oligarquia
local. Em troca, o governo oferecia condições especiais de créditos e armas
para conter possíveis revoltas de trabalhadores ou invasões de movimentos de
esquerda. Dessa forma, revela-se o forte vínculo entre a ditadura militar e os
setores do empresariado local.
Documentários
geralmente são conhecidos pela pretensão que possuem de descrever e, até mesmo,
interpretar o mundo da experiência coletiva. É a produção de um discurso sobre
o real, no qual as informações obtidas são tomadas como uma espécie de “lugar
de revelação” e de “acesso à verdade”. Pastor Cláudio se
destaca não apenas por ser um resgate da memória aterrorizante e sombria do
período da ditadura militar brasileira. Ele é um trabalho autoral que, ao
recuperar estas memórias, pretende fabricar valores, significados e conceitos
sobre o passado, para que este não se repita no presente.
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